Artigo da Pós: Julgamento da “Tese do Século” pelo STF

  • Data de publicação
    26 de janeiro de 2022
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Os ministros do STF concluíram no dia 13 de maio de 2021 o processo que garante a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 574.706). Mas foi em agosto do mesmo ano que o STF publicou a íntegra da decisão dos ministros sobre a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofinsa chamada “tese do século”.  

O acórdão foi disponibilizado no sistema no dia 12 de agosto – três meses depois do julgamento. 

O impacto dessa tese para a União está estimado em R$ 358 bilhões, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).

Tudo começou com um inocente pedido de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins.

A questão foi parar no STF, onde no Recurso Extraordinário 240.785-MG, relatado pelo ministro Marco Aurélio de Mello, seis votos foram proferidos pela aceitação da tese, sob o fundamento de que o ICMS não configura mercadoria suscetível de faturamento, que é o fato gerador do PIS/Cofins.

Em razão da preferência no julgamento de ações de natureza coletiva, o julgamento do RE 240.785-MG foi sobrestado por 180 dias, por nove votos contra dois. Vencido o prazo, sem que houvesse o julgamento da Adecon, aquele prazo foi sucessivamente prorrogado por mais duas vezes, até que o inciso I, do § 2º, do art. 3º da Lei nº 9.718/1998, que estava atrapalhando a tese da exclusão, foi por ventura revogado. Tão sutil foi a forma de sepultamento daquela norma que quase ninguém percebeu a sua revogação.

O RE 240.785-MG foi julgado e, por maioria de nove votos contra dois, foi decidido pela impropriedade de tomar o valor de determinado tributo na base de cálculo de outro tributo (DJe 16-12-2014).

Na vigência dessa EC 33/01, o STF decidiu pela constitucionalidade da incidência do ICMS sobre si próprio, nos autos do Recurso Extraordinário julgado sob o rito de Repercussão Geral, conforme ementa abaixo:

  1. Recurso extraordinário. Repercussão Geral.
  2. Taxa Selic. Incidência para …
  3. ICMS. Inclusão do montante do tributo em sua própria base de cálculo. Constitucionalidade. Precedentes. A base de cálculo do ICMS, definida como o valor da operação de circulação de mercadorias (art. 155, II, da CF/1988, c/c arts. 2o, I, e 8o, I, da LC 87/1996), inclui o próprio montante do ICMS incidente, pois ele faz parte da importância paga pelo comprador e recebida pelo vendedor na operação. A Emenda Constitucional no 33, de 2001, inseriu a alínea “i” no inciso XII do § 2o do art. 155 da Constituição Federal, para fazer constar que cabe à lei complementar “fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço”. Ora, se o texto dispõe que o ICMS deve ser calculado com o montante do imposto inserido em sua própria base de cálculo também na importação de bens, naturalmente a interpretação que há de ser feita é que o imposto já era calculado dessa forma em relação às operações internas. Com a alteração constitucional a Lei Complementar ficou autorizada a dar tratamento isonômico na determinação da base de cálculo entre as operações ou prestações internas com as importações do exterior, de modo que o ICMS será calculado “por dentro” em ambos os casos.
  4. Multa moratória. Patamar de 20%. Razoabilidade. Inexistência de …
  5. Recurso extraordinário a que se nega provimento” (RE no 582.461-RG/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 18-8-2011).

O valor do tributo pode incidir sobre si próprio, mas, não pode compor a base de cálculo de outro tributo. No contrário até seria mais fácil de compreender.

Pois bem, a tese da exclusão veio a ser sacramentada com efeito erga omnes (para todos) no Recurso Extraordinário 574.706/PR, Relatora Ministra Cármen Lúcia, que reconheceu a existência de repercussão geral e, por sete votos contra quatro, decidiu que “o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins”.

Excluir o ICMS contido na base de cálculo do PIS/Cofins não é uma tarefa fácil, pois, envolve conhecimentos extrajurídicos, efetuando-se o cálculo do imposto por dentro, para encontrar o exato valor do imposto embutido no preço.

Por isso, a Corte Suprema decidiu pela exclusão, mas não apontou o critério para tomar essa decisão.

Daí da interposição de embargos declaratórios pela União com duplo objetivo: definir o ICMS a ser excluído, bem como modular os efeitos da decisão. Decorridos mais de quatro anos, finalmente o STF, por maioria de votos, julgou esses embargos declaratórios para assentar a tese de que o valor do ICMS a ser deduzido da base de cálculo do PIS/Cofins é aquele destacado em cada nota fiscal, e que a restituição do indébito far-se-ia a partir de 15/3/2017, data de julgamento do RE 574.706/PR, ressalvadas as ações protocoladas até a data do julgamento referido (Embargos declaratórios no RE nº 574.706/PR, j.15-3-2021, DJe 12/8/2021).

A classe empresarial mobilizou, ao longo dos anos, uma multidão de especialistas em direito tributário para lograr a vitória conhecida como “tese do século” envolvendo a bagatela de R$258,3 bilhões. Sustentou-se que se impunha a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, sob a singular argumentação de que o ICMS não é mercadoria passível de faturamento, que é o fato gerador das contribuições sociais referidas.

Como é sabido, no Brasil todo tributo indireto (PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS) tem o seu respectivo valor embutido no preço pago pelo consumidor final. Daí a regra do art. 166 do CTN que condiciona a restituição de tributo indireto à prova de que o contribuinte suportou o ônus do encargo tributário ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

Porém, essa regra moralizadora foi simplesmente ignorada pela Corte Suprema, que ordenou a restituição aos empresários como se estes tivessem arcado com o ônus do encargo tributário. Os empresários receberão de volta aquilo que eles não pagaram. Fantástico! São R$258,3 bilhões que saem dos cofres da União e deverão ser repostos por consumidores finais, de uma forma ou outra, pois, o governo não tem máquina de produzir riquezas, mas, apenas a de promover despesas. São decisões da espécie que somados aos incentivos fiscais casuísticos, levam o governo a agravar o nível de imposição tributária, sem a contraprestação de serviços públicos adequados.

A essa altura, pergunta-se, quem é o legítimo destinatário da restituição de tributo indireto? Se entender que é o comerciante significa que o valor do tributo embutido no preço lhe pertence e, portanto, incogitável a figura de apropriação indébita a que alude o inciso II, do art. 2º da Lei 8.137/1990. Ninguém se apropria de algo que lhe pertence! Se entender ao contrário, o empresário não estará legitimado a receber a restituição do indébito.

Na realidade, a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins importa em alterar o regime tributário vigente, de tributação por dentro para tributação por fora, que vigora nos Estados Unidos, Japão e outros países adiantados, onde se separa o preço pertencente ao comerciante do imposto destacado pertencente ao fisco. Nesse regime tudo é transparente, possibilitando a responsabilização tributária e penal imediata do comerciante que deixar de recolher no prazo legal o imposto destacado na nota fiscal.

Contudo, tudo é diferente no Brasil. Aqui o valor destacado na nota fiscal é meramente para efeitos contábeis-fiscais de crédito/débito, como prescrito está na norma do art. 13 da Lei Complementar 87/1996 de início citado. O valor do imposto está incluído no preço das mercadorias e dos serviços, para que o consumidor não possa saber o valor do tributo que está pagando em cada aquisição de mercadorias, ou contratação de serviços, na contramão do princípio da transparência tributária previsto no § 5º, do art. 150 da CF.

Fernanda de Bona
Aluna do curso de Direito das Famílias e Sucessões