A ausência de planejamento nas ações para impedir a destruição do meio ambiente natural já demonstra que, infelizmente, o maior objetivo de nossa sociedade ainda é o crescimento econômico. Isso pode ser observado em nosso próprio arcabouço jurídico, que na medida do possível busca o equilíbrio sustentável conforme a necessidade. A falta de atenção na convivência com a biodiversidade, com o solo em que vivemos, causa desordem, que causa ainda problemáticas de ordem social e econômica.
A inexistência de política pública de planejamento tem interferência direta em eventos climáticos nas grandes cidades. Exemplo citado no artigo “O Regramento ineficaz da relação humana entre o meio ambiente e o Estado”, de Aulus Eduardo Teixeira de Souza, é a cidade de São Paulo, na qual a água das chuvas invade as edificações causando grandes destruições, enquanto sofre por falta de água potável em seus reservatórios. Citando:
A desproporcionalidade da ocupação demográfica de massas, provoca por conseqüência caos na mobilidade urbana, fomenta o desemprego, a miséria e o aumento dos índices de criminalidade, fatores que por óbvio se alçam à margem do controle do estado brasileiro.
Nossa ótica distorcida na relação com a natureza é histórica, vindo desde o período feudal, no qual o homem com o pensamento de que era o centro do universo criou reflexos destrutivos no âmbito humano, social e econômico. Hoje, ainda é visível a ação “predatória” na utilização desmedida dos recursos naturais. O respeito ao meio ambiente é fator preponderante para o bem-estar do homem na ocupação territorial, relação tão antiga quanto a própria história da humanidade.
Reflexo se encontra também nas regras urbanísticas, que além de defasadas se limitam apenas ao perímetro urbano das classes mais abastadas. Os espaços são ocupados dando prioridade à individualidade na medida do possível, sem se importar com a coletividade e o meio ambiente como parte da discussão (muito menos como centro, o que seria o correto no ponto de vista de sobrevivência humana).
Com relação ao contraste nas cidades que sofrem com alagamentos e a falta de água potável em reservas, tem como causa primeira a falta de normas que assegurem Unidades de Conservação para garantir a biodiversidade e a qualidade do ar que respiramos. Mas como nosso problema é cultura, tem o Estado o dever positivo de implementar medidas programáticas para essas defasagens, com responsabilizações na esfera patrimonial dos causadores.
É neste momento que deve ser observado o princípio do desenvolvimento sustentável, decorrente do Art. 225 da Constituição Federal, citando que todas as pessoas têm o direito a um meio-ambiente ecologicamente equilibrado, devendo o Estado defender, proteger e preservar suas condições para as gerações atuais e futuras. São necessárias ações para instrumentalizar tal dispositivo, e assim aparecem os planejamentos urbanísticos municipais com a correta ocupação do solo, conseqüência lógica da Lei de Parcelamento do Solo e o aproveitamento racional dos recursos hídricos.
Sob o conceito de urbanismo, entende-se a correta aplicação do controle e gestão das ações do estado na proteção ambiental, aplicando a função municipal de planejamento de organização das edificações e da ocupação do solo.
Contudo, tendo em vista a prescrição constitucional de preservação da biodiversidade e proteção do ecossistema como forma de garantir o bem-estar social da atual e das futuras gerações, é decorrente a linha de raciocínio que sustenta a inconstitucionalidade da Lei Federal 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo) e da Lei 4.564/64 (Estatuto da Terra). Isso porque, quando o dispositivo na primeira cita os loteamentos, a divisão das glebas ou o desmembramento e abertura de novas vias de circulação, em ponto algum cita a preservação do meio-ambiente ou o respeito à biodiversidade. Tal falha pode ser justificada pela incongruência legislativa, tendo em vista que nossa constituição é de 1988 enquanto tais leis são anteriores. Remédio imediato foi a determinação de porcentual de áreas verdes, mas, de nada adianta se não for planejado o atrelamento dessas áreas.
O movimento cultural e ético da formação das cidades é de fundamental importância, movimento este que buscou e ainda busca agregação social e melhor bem-estar geral e econômico, devendo a sociedade e o Estado se atentar para não atropelar o crescimento natural do meio-ambiente. Mas infelizmente, é só observar nosso cenário atual para ver nitidamente que o crescimento desorientado das cidades causa prejuízos inestimáveis à natureza como um todo, e essa falta de respeito é ainda mais vergonhosa quando vistas as construções de estacionamentos e estruturações urbanas nos locais de áreas verdes. Em contrapartida, é necessário o enfrentamento da problemática ambiental para que não se coloque em risco os espaços ocupados, sob pena de abandono das grandes empresas dos locais nos quais estão instaladas.
Precisamos entender o urbanismo atual e sua real necessidade de relação com o meio-ambiente, e para isso é necessário entender a formação das cidades. Mas, infelizmente, os altos valores cobrados em tributos pelo poder estatal contribuem ainda mais para a problemática social e degradação, uma vez que a população mais marginalizada por esse poder fica a mercê do planejamento e ocupação adequada do solo. Isso sem contar outros fatores como a mobilidade urbana e a acessibilidade. Para a mudança e manejo mais sustentável de nossa biodiversidade, é necessário desapegar do entendimento de descentralização dos recursos financeiros, a fim de que as municipalidades possam desenvolver estudos técnicos eficientes e promover o adequado zoneamento urbano.
É importante a dedicação especial à construção dos interesses e direitos fundamentais, necessidades básicas já instituídas nos artigos 5º, 6º e 7º da Constituição Federal de 1988. Em toda a mudança de governo passamos pelo mesmo dilema, no qual se tem por objetivo central reformular as políticas públicas já iniciadas ao invés de dar continuidade às mesmas. Nossa segregação não é apenas de classes, mas territorial, já que o governo pretende sempre atender as classes medianas e com poder aquisitivo, enquanto as marginalizadas se acumulam nos morros sem nenhum tipo de saneamento e planejamento.
Não se pode confundir zoneamento urbanístico com zoneamento ambiental, uma vez que o primeiro é o manejo e organização dos espaços a serem ocupados como instrumento de manejo estatal e o uso de recursos de maneira mais sustentável, e o segundo visa a integração da população organizada pelo zoneamento urbanístico com a biodiversidade.
A existência da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 9.883/81), decorrente de prescrição constitucional nos artigos 23, inciso V e VII e 225 da CF, tem por finalidade preservar, melhorar e recuperar a qualidade do ambiente natural necessário à manutenção da vida, ao mesmo tempo em que assegura o desenvolvimento socioeconômico da sociedade. Mas, mais que legislação, precisa-se de políticas públicas para a realização eficiente das ações de proteção ao meio- ambiente, e uma mudança cultural que deve ser implementada cada vez mais pelas escolas, em casa e nos espaços comuns.