ENTREVISTA – Conheça o bacharel egresso do Cesusc e membro do MST, Altair Lavrat

  • Data de publicação
    23 de junho de 2008
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O Cesusc está distribuindo, nesta semana, a 15º edição do seu jornal interno, o “Intervalo”. Nele, os leitores podem conferir a história de Altair Lavratti, ex-aluno da Faculdade e hoje membro do Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra. Como a trajetória desse profissional é muito rica, não foi possível contá-la por inteiro no espaço físico do jornal. Por isso, o site do Cesusc traz na íntegra a entrevista com Altair Lavratti. Confira!
 

 

 

BACHAREL EM PROL DO MOVIMENTO SOCIAL
(reportagem: Sara Caprario)
Altair Lavratti é filho de agricultores, vindos do Rio Grande do Sul, que enfrentaram a difícil tarefa de desbravar as terras de mata virgem, no Oeste de SC no início da década de 40. Nascido em 1966, no município de Pinhalzinho/SC, lá residiu até 1985, onde concluiu o curso de Técnico em Contabilidade, (e em 92 um semestre de Faculdade na mesma área). De 1986 a 1989 trabalhou numa multinacional – e diz que este pecado não cometerá jamais -, transferindo-se a partir deste ano, à Luta dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. A partir deste evento, passou a compreender a história. Entender o que foi e é o Regime Militar; o que é a divisão de classes; quem trabalha; quem produz as riquezas; quem enriquece; quem explora; e, além de outras, a compreensão que a necessidade de lutar para garantir os direitos fundamentais, sempre se fez necessária.

 

A militância no MST aconteceu em vários espaços: na Secretaria Estadual; nas Cooperativas; na organização dos núcleos de estudos e trabalhos, junto às famílias acampadas e assentadas, orientando sempre ao princípio da cooperação e construção coletiva; nas comunidades e bairros. Foi assentado (na primeira área ocupada no Estado), acompanhado de uma família formada por seis pessoas: ele e a companheira Eliana; um filho e três filhas, dentre elas, gêmeas.

Em 2001 a Direção Estadual do MST, indicou Lavratti para fazer o curso de Direito. Deveria encontrar alguém da base do Movimento para ocupar uma vaga oferecida ao Movimento Sem Terra pelo Cesusc. Estava muito distante a condição e a intenção de um dia voltar a fazer faculdade. Porém, ele conta que foi provocado para mais um desafio.

 

1 – Como foi sua trajetória no Cesusc?
No dia 03 de agosto de 2001, entrei pela primeira vez no Cesusc, na época em Ponta das Canas, na Escola Sul da CUT. Embora bolsista integral, tivemos muitas dificuldades financeiras, (que continuam), e de adaptação, haja vista a dificuldade de se encontrar no espaço urbano, Capital do Estado, com quatro crianças. A propaganda da capital com qualidade de vida não é pra todos e todas, e a insegurança colocou muito medo num determinado período.

A experiência da faculdade foi fantástica, desde a chegada até a última reunião festiva da querida Turma DIN-2001. Fui acompanhado pela Coordenação do curso, por excelentes professores(as), que proporcionaram espaços de debates, impulsionando para uma relação Faculdade/MST. Importante notar que é um espaço riquíssimo para estudar e compreender as relações sociais, jurídicas, políticas e econômicas que vivenciamos. E como resposta a pergunta feita pela direção do Cesusc, ainda antes de sair de casa, nós não abandonamos a militância no movimento social, e não tiraremos, acima de tudo, proveito próprio desta rica oportunidade, a qual foi proposta ao MST e não à minha pessoa.

 

2 – Como é o seu trabalho?
É difícil programar momentos para descanso. Estou contribuindo nas Audiências de Conciliação, propostas pelo Juiz Agrário, em que, após a “ocupação” de latifúndios, o mesmo intima as partes para um possível acordo, buscando resolver a situação da vida das pessoas que se encontram organizadas.

Estou também na Secretaria do MST – Florianópolis, pela qual passam muitas atividades. São debates nos mais diversos espaços, tais como: UFSC, Faculdades, Escolas, Sindicatos, comunidades e bairros, etc. Participamos nas mobilizações, do MST e outras, quando chamados (por exemplo, contra a privatização do HEMOSC, CEPON e HU). Continuo estudando, em cursos específicos do MST; organizando alguns núcleos de estudo e mobilização no espaço urbano; acompanho ações do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] e de Centros da Universidade que atuam nas áreas de acampamentos e assentamentos com capacitação e formação.

 

3 – Como a formação superior ajuda no seu dia-a-dia?
Não estou angustiado por não ter a “carteirinha da OAB”, pois com o conhecimento adquirido na faculdade posso dialogar com mais convicção e debater com muito mais propriedade questões que tínhamos dificuldades de entender. Não é brincadeira, principalmente com as famílias acampadas, excluídas de todas as possibilidades do conhecimento. Quanto é gratificante ver o encontro nas audiências com confiança de companheiros, não é alguém prestando serviços – como na maioria das vezes -, mas abraçando a causa com respeito e igualdade. Pode ferir princípios do Advogado, mas como Bacharel não é possível envolver-se na justa causa como parte ativa.

De outra parte, é angustiante conhecer um pouco mais da nossa Constituição, seus Princípios, seus Fundamentos, os Objetivos do Estado Brasileiro, enquanto nos deparamos com uma negação generalizada dos Direitos Fundamentais para a grande maioria da população. Porém, para alguns, está garantindo privilégios e acumulações. Portanto, não “somos todos iguais, perante a lei”, ou somos?
É importante ressaltar que estamos num coletivo de três pessoas aqui em Florianópolis, que buscamos dar conta da demanda, e cumprir com o compromisso assumido perante o Cesusc, que é a contrapartida pela vaga na faculdade, qual seja, dedicar-se à propagação e debates das ações/atividades do MST na Grande Florianópolis.

 

4 – Quais os conselhos você dá aos estudantes?
Para nós que temos a oportunidade de fazer um curso superior, é importante que o façamos com conhecimento da realidade, e com o olhar voltado para o ser humano e seu espaço digno de vida. A faculdade de Direito pode ser bem aproveitada para produção de vida com dignidade, não só “ativa”, como principalmente ao “coletivo passivo”, que de longa data, almeja propagadores do direito, de fato e de direito. Afim de “erradicar a pobreza” preconceituosa; de nos tornarmos um pouco “iguais” nas condições; “promovendo o bem de todos/as”, construindo uma sociedade com Justiça Social e Soberania Popular.