FÓRUM SOCIAL MUNDIAL: 10 ANOS POR UM OUTRO MUNDO POSSÍVEL

  • Data de publicação
    3 de fevereiro de 2010
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Por: Edmundo Lima e Arruda Jr. e Prudente Mello
(
UFSC – CESUSC – Instituto Declatra)

O Fórum Social Mundial nasceu com a intenção de se contrapor ao de Davos, o qual reúne os representantes do setor econômico, opondo-se à globalização liberal. Foi precedido de grandes manifestações de ativistas ocorridas em cidades pelo mundo, como Seattle (EUA), em fins de 1999, reunindo milhares de pessoas contra a Organização Mundial do Comércio.



Entre 25 e 29 de janeiro de 2010, reuniram-se em Porto Alegre e Região (assim como já aconteceu em outras edições) milhares de jovens, intelectuais e grupos sociais que pressionaram por eficácia dos Direitos Humanos em todas as suas dimensões, deixando seus registros de vida, seus balanços de ações e comportamentos, suas impressões dos níveis de avanços das lutas, eventuais recuos, esperanças e decepções, propostas de transformação do mundo em que vivemos, através de conferências, debates, oficinas, apresentações artísticas, culturais e shows.

As ideias e ideais mudam o mundo. Pode parecer idealismo descabido, porém as ideias somente mudam o mundo em dadas condições e com muito esforço para produzir rupturas no sentido do desenvolvimento e aperfeiçoamento institucional e democrático. Um dos vetores mais importantes sempre presentes em todos os processos sociais que contribuem para tais rupturas no mundo nos últimos dois séculos são os movimentos sociais organizados. Não importa se tradicionais ou novos, pois cada vez mais eles se tornam convergentes. No colorido que caracteriza nossa contemporaneidade, na qual cada um escolhe seus deuses e diabos, todos de alguma forma lutam por uma vida coletiva mais integrada, com reduzidos níveis de violência, e possibilidades de inserção profissional, na qual a liberdade e a criatividade afirmem a subjetividade do ser humano. Brancos, negros, amarelos, heteros, homos, bissexuais, religiosos, agnósticos, todos, em todos os quadrantes do mundo almejam paz, e para tal um mundo limpo, capaz de ser legado aos que virão como um lugar habitável, apropriado em termos de equilíbrio vital.

Pois bem, lá na Grande Porto Alegre, estavam sindicalistas, anarquistas, governistas e críticos da “governabilidade de esquerda”, ambientalistas, defensores das questões de gênero, representantes dos índios, negros, das minorias em geral e dos vários quadrantes do globo. Todos irmanados no mesmo ideal: constituir uma crítica ao modelo planetário vigente; crítica responsável capaz também de encaminharem alternativas – “um novo mundo é possível” foi a palavra de ordem do Fórum. 

Dentro desse espírito congressual, grandes conferencistas marcaram o evento, retomando teses antigas, reconstruindo-as e esboçando outras. Boaventura dos Santos “enfatiza que não nos encontramos ainda em uma democracia, mas num delicado período transacional entre ditadura e democracia, razão dos curtos circuitos institucionais”. 

Um desses sinais de fragilidade democrática chama-se criminalização dos movimentos sociais, como o que se vê na perseguição política sofrida pelo MST no Rio Grande do Sul (onde é solicitada a extinção do Movimento, pelo Ministério Público) e na recente prisão de militantes em Santa Catarina, pelo pressuposto crime de “invasão” (na linguagem dos conservadores) de terras em Imbituba (SC), do nosso ex-aluno e liderança do MSC, Altair Lavratti. 

Presentes no Fórum as ideias de Imannuel Wallenstein, sobre os ciclos curtos e longos das crises. Se a bolha financeira de 2009 revelou uma crise a mais na ordem do capital, por sua vez, os trilhões e trilhões de dólares invertidos no mercado para “salvá-lo” do colapso irreversível não garantem os problemas a serem solucionados no futuro, a começar pela grave situação do ecossistema planetário, em evidentes sinais de desequilíbrio. A crise entre crises revela uma crise maior, ampla, razão de se falar em crise civilizatória.

Crise civilizatória que já ocorreu na ruína de grandes sistemas, como escravista e feudal, agora se revelando como uma crise do paradigma do mundo industrial, em que todos nós de alguma maneira, conscientemente ou não, reproduzimos, ao utilizarmos nossos bólidos, queimando recursos energéticos que poluem, nos alimentando mal de produtos oriundos de processos produtivos viciados, da produção da matéria prima ao consumo final. Alimentando de variadas formas e em cadeia um sistema e sua razão sistêmica, Wallenstein idealiza que contra uma razão sistêmica temos que forjar uma outra lógica, uma outra maneira de pensar o mundo, para nele intervirmos de maneira mais racional, preservando em última instância, não somente a vida e as condições de vida para a maioria populacional do planeta que padece de profundo déficit de modernidade, mas salvando mesmo a vida em geral e as condições de reprodução da espécie humana, pois é disso que se trata, no limite, quando falamos de crise civilizatória.

O modo de produção capitalista como sistema foi uma criação humana, e deverá ser superado pelos homens organizados, em movimentos sociais agrupados, para pensar soluções que permitam a convivência humana mais solidária e menos predatória. Já temos como uma verdade que dentro dos parâmetros de acumulação, característica do Capitalismo em sua era dos oligopólios financeiros e dos cartéis que os manipulam, a relação homem natureza tenderá a ser suicida em termos ambientais. Há que se pensar em novas formas de viver com energias alternativas não poluentes, com mais tradição de democracia direta, como foi o caso do “orçamento participativo” ao qual se referia Ministro da Justiça Tarso Genro em sua conferência.

No Fórum, temos a renovação de outra lição, mesmo que nos impacientemos com as governabilidades de esquerda, ou nos irritemos com a permanência do arcaísmo na política, com a insistente presença de políticos que outrora serviram a Ditadura e ajudaram a cercear as vozes que contra ela resistiram (lutamos ainda pelo direito à memória, direito à verdade e pela responsabilização daqueles que praticaram crimes de tortura), não devemos perder a esperança, pois como apregoa Wallenstein, um sistema hegemônico permite uma contra hegemonia, um contra sistema, sendo que as bases desse novo sistema dependem, por sua vez, da nossa capacidade de pensar e agir, juntos com os que fazem as mudanças sociais, os movimentos sociais.

Segundo Gramsci, a crise se caracteriza pelo exato momento em que o velho ainda não morreu e o novo ainda não nasceu. Talvez o novo já tenha nascido, mas ainda engatinhe, em fase de formulação de novos patamares de convivência civilizatória. E o velho talvez já tenha morrido, mas tenhamos dificuldade de enterrá-lo.